Porque razão o Partido Comunista Português apoia a Rússia?


O apoio que o Partido Comunista Português (PCP) manifesta ou parece manifestar em relação à Rússia, especialmente no contexto da guerra na Ucrânia, é frequentemente motivo de debate e controvérsia. Para compreender essa posição, é importante considerar a ideologia, a história do partido e o seu enquadramento internacional:

1. Herança Ideológica e Anti-imperialismo

O PCP tem uma visão do mundo marcada pelo anti-imperialismo, sendo tradicionalmente muito crítico dos EUA, da NATO e da União Europeia. Esta visão leva o partido a interpretar muitos conflitos internacionais através da lente da luta contra o que considera ser o imperialismo ocidental. Assim:

A Rússia é vista não como agressora, mas como uma força de resistência ao imperialismo dos EUA/NATO.

O PCP considera que o conflito na Ucrânia tem raízes na expansão da NATO e na ingerência ocidental, e não apenas na ação da Rússia.

2. Posicionamento Histórico

O PCP nunca rompeu com a herança da União Soviética, ao contrário de muitos outros partidos comunistas europeus. Embora a Rússia atual não seja comunista, o PCP mantém uma atitude de compreensão ou simpatia por países que, do seu ponto de vista, resistem à hegemonia ocidental.

3. Declarações Oficiais e Linguagem Ambígua

O PCP não apoia abertamente a invasão da Ucrânia, mas evita condenar diretamente a Rússia.

Em vez disso, concentra as suas críticas na NATO, nos EUA e na UE, responsabilizando-os pela escalada do conflito.

A linguagem usada tende a ser ambígua ou equilibrada, apelando ao "fim das hostilidades" e à "procura de soluções pacíficas", sem acusar diretamente a Rússia de agressão.

4. Críticas e Controvérsias

Esta posição tem gerado críticas de outros partidos e até de ex-militantes do PCP, que acusam o partido de estar desfasado da realidade e de ser complacente com o autoritarismo russo.

Muitos consideram que o PCP falha em reconhecer a soberania da Ucrânia ao relativizar ou justificar a invasão russa.

5. Resumindo

O PCP não apoia diretamente a Rússia enquanto regime, mas adota uma posição que a beneficia indiretamente por:

minimizar a sua responsabilidade na guerra;

transferir a culpa para o Ocidente;

não reconhecer claramente a Ucrânia como vítima de uma agressão.

Aqui estão algumas declarações específicas do PCP sobre a guerra na Ucrânia, com análise crítica:

Declarações e Principais Ideias

1. Condenação “global” de atos criminosos, mas ênfase no lado ucraniano

O PCP declarou que “condena os atos criminosos na Ucrânia, … quer por forças ucranianas quer por forças russas” e pede investigação rigorosa de supostos crimes de guerra, evitando pré-julgamentos e independentemente do autor.

Interpretativo: Há uma clara tentativa de equilíbrio, mas a menção e critica aos chamados “batalhões nazis” ucranianos (sem igual enfoque ao exército russo) tende a relativizar o papel da Rússia no conflito, reforçando uma narrativa de múltiplos agentes — em vez de uma invasão unilateral.

2. Rejeição de medidas que prolonguem o conflito

O partido recusa iniciativas que “visem o prolongamento e agravamento da guerra” e responsabiliza os EUA, NATO e UE como motores do conflito.

Impacto: Ao culpabilizar fortemente o “Ocidente”, o PCP posiciona-se não como apoiante direto da Rússia, mas como crítico do bloco ocidental, sugerindo que outras potências também devem negociar e parar ações militares.

3. Rejeição do “golpe de Estado” de 2014

O PCP considera o que aconteceu em 2014 como um “golpe de Estado” em Kiev, apoiado pela NATO e ocidente, e acusa o poder ucraniano de xenofobia e perseguição (como ao Partido Comunista da Ucrânia).

Comentário: Esta narrativa desafia a versão mainstream, desviando o foco da invasão russa e questionando a legitimidade do governo ucraniano e o seu alinhamento com o bloco euro-atlântico.

4. Discordância com sanções e envio de armas

O PCP qualificou o pacote da UE para produção de munições (2 mil milhões €) como algo que “instiga a guerra” e “leva à destruição… em particular para o povo ucraniano”.

Conclusão: A posição do partido destaca uma oposição clara a qualquer apoio militar à Ucrânia — argumentam que isso perpetua o conflito e penaliza as populações mais vulneráveis.

5. Criticas ao “pensamento único” ocidental

O PCP criticou o Conselho Europeu e a NATO por promoverem “sanções económicas, culturais... e propaganda de guerra”, num discurso contra o que consideram “deriva autoritária”.

Dinâmica: O partido convive com uma posição antissistémica que associa o alinhamento ocidental com o reforço da indústria militar e com a erosão de debate público plural.

6. Posição ambígua sobre o termo “invasão”

Inicialmente, figuras do PCP — como Jerónimo de Sousa — referiram o conflito como “operação militar” em vez de “invasão”. Apenas em finais de 2022 o partido reconheceu oficialmente ter havido invasão.

Relevância: A relutância em usar o termo “invasão” reforça uma narrativa menos crítica e mais cautelosa, tratando a ação russa como parte de um quadro mais amplo de tensões.

Resumo Crítico

Posição do PCP Implicações

Bloco Ocidental como principal responsável Reforça narrativa de agressão norte-americana/europeia

Equilíbrio de culpa ucraniana e russa Minimiza agressão russa e posiciona o partido como neutro

Rejeição do envio de armas Apoio a negociações, mas aparentemente em detrimento da defesa ucraniana

Narrativa do “golpe de 2014” Sustenta uma visão revisionista da legitimidade da Ucrânia pós-Maidan

Essas declarações explicam por que muitos críticos afirmam que o PCP, ao focar sobretudo na condenação do ocidente, acaba por favorecer a narrativa russa — mesmo sem uma adesão direta ao regime de Vladimir Putin.

Conclusão

O PCP não apoia abertamente a Rússia, mas a sua retórica e narrativa — anti‑ocidental, cautelosa quanto ao termo "invasão", e crítica à Ucrânia — acaba por ser vista como convergente com a propaganda russa.

Comente com o Facebook: