Talvez Jorge Ferreira Dias seja o homem mais conhecido de Abrantes mas, na verdade, poucos conhecem verdadeiramente a história do homem que, em protesto, durante oito anos não cortou a barba e fez visitas anuais à Câmara Municipal com os seus burros. É uma história de conquista e de perda, de batalhas judiciais desiguais, de desespero pessoal plasmado nas manchetes dos jornais. Mas também uma história de persistência, apesar dos milhões que redundaram em miséria. O maior construtor e o maior detentor de área urbana de Abrantes é hoje um pastor que sobrevive com 300 euros de Rendimento Social de Inserção, enquanto espera que a Justiça lhe reconheça o direito a uma indemnização de mais de 6 milhões de euros.
No fundo da Rua Nossa Senhora das Graças, na Chainça, o número 51 apropria dois grandes portões verdes ligados a medianos muros que limitam a casa onde reside Jorge Manuel da Costa Ferreira Dias. A mesma de onde foi despejado em 2013, na sequência de um processo de insolvência que o deixou a ele, à mulher e ao filho sem bens. Um dia chegou a casa e tinha agentes da polícia à porta. “Armados e tudo, veja só… eu que não me tinha negado a sair”, conta ao mediotejo.net.
Pessoas amigas compraram-lhe a propriedade em leilão, para que pudesse regressar à sua própria casa. Apesar dessa boa vontade tem às costas uma renda mensal de 700 euros, mais as despesas inerentes, fora a alimentação dos animais que atualmente “estão a passar mal…”, confessa. “Não passam fome, mas já não comem o que habitualmente comiam”, lamenta.
Isto porque, sem as quatro empresas que criou, o empresário da construção voltou a ser pastor. Emprestaram-lhe um terreno e trata de 120 ovelhas, 18 burros e uma égua. Chegou a ter porcos, galinhas e patos. Agora, além do Rendimento Social de Inserção, pouco mais de 300 euros, que começou a receber em agosto último, vende gado e lenha resultante da limpeza do terreno. Mostra-nos os burros a pastar, “animais do mais manso que há”, adquiridos na época em que projetava para a Herdade Casal do Telhado do Meio, lá para os lados da Bemposta, o Lusitânia Parque.
Ambicionava que fosse o melhor parque biológico do mundo, estruturado em torno da ideia da valorização das raças autóctones portuguesas. “Tinha 500 hectares, onde 128 eram meus, com todo o tipo de animais, quinta pedagógica, árvores combinadas de forma harmoniosa como pinheiros, choupos, salgueiros…”, conta. Pretendia abri-lo em 2010, Ano Internacional da Biodiversidade mas, segundo diz, morreu à nascença “por falta de interesse da autarquia”.
Durante oito anos o empresário de construção civil, que nunca foi homem com pelo nas ventas em 52 anos de vida, deixou crescer a barba em protesto, primeiramente devido ao negócio da venda de um terreno em Abrantes para instalar o complexo médico-social ‘Ofelia Clube’, que acabou por nunca avançar. Em 2007, reclamava receber os 2,5 milhões de euros devidos pela venda de terrenos ao Grupo francês Existence, uma das várias batalhas.
COM UM INVESTIMENTO PREVISTO DE 60 MILHÕES DE EUROS, CRIANDO CERCA DE 500 POSTOS DE TRABALHO, O ‘OFELIA CLUBE’ ESTARIA VOCACIONADO PARA ACOLHER SENIORES, NOMEADAMENTE DO NORTE DA EUROPA, EM REGIME DE RESIDÊNCIA ASSISTIDA
O investimento da Portanice, Investimentos Imobiliários, empresa do Grupo Existence, englobaria infraestruturas de desporto e lazer, piscinas cobertas, pavilhão multiusos, parque infantil, creche, restaurantes, lojas, espaços verdes e cerca de 1.400 lugares de estacionamento. A área de intervenção do ‘Ofelia Clube’ rondava os 12 hectares e a área de construção ultrapassava os 106 mil metros quadrados, estando 70 por cento do espaço alocado para habitação (edifícios T0, T1 e T2) e serviços médicos, 15 por cento a serviços associados à área da medicina e três por cento a zonas de comércio. Nada disto viu a luz do dia, na cidade de Abrantes.
Em ação de solidariedade, deixando também crescer a barba, a ele juntou-se o filho Paulo, com o propósito de assim permanecerem até ao dia em que pudessem, os dois, “andar de cara lavada em Abrantes”. Já na época Jorge Dias, que hoje conta 62 anos, relatava à comunicação social uma situação de “absoluta asfixia financeira” em que dizia encontrar-se.
Com o episódio das barbas, e ao decidir trocar o jipe por um burro para se deslocar, cruzando as ruas do centro histórico até ao edifício da Câmara Municipal de Abrantes, Jorge Ferreira Dias tornou-se uma figura ainda mais popular na cidade.
O objetivo era deixar um protesto lavrado no livro de reclamações da autarquia, devido às “dificuldades” sentidas na obtenção de licenciamentos que lhe terão causado a tal “absoluta asfixia financeira”. A presença do burro Mangerico serviria para dizer que “dentro da Câmara existem burros mais burros que o animal”.
Empresário “por necessidade, sorte e alguma vocação”, Jorge Ferreira Dias apresenta um catálogo impressionante de obras realizadas em cerca de duas décadas de atividade no setor da construção civil: “Mais de 30 moradias e 15 prédios, que representam cerca de 300 apartamentos” na região de Abrantes.
A sua empresa Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda chegou a ter 60 funcionários entre administrativos, pedreiros, serventes, camionistas e contabilistas, “movimentando não só muita gente como também muito dinheiro”. Uma empresa reconhecida pelos seus pares como sólida, conceituada e com bom volume de faturação, de imediato “reinvestido” na aquisição de outros terrenos para futuras empreitadas, o que o tornou no maior construtor e detentor de área urbana de Abrantes.
O EMPRESÁRIO ERGUEU MAIS DE 30 MORADIAS E 15 PRÉDIOS COM 300 APARTAMENTOS EM ABRANTES, TORNANDO-SE NO MAIOR CONSTRUTOR DA CIDADE
Orgulha-se de “uma boa relação” com os funcionários da empresa. “Os meus empregados sabiam da minha situação porque lidava com eles como se fossem da família. Tinha um restaurante onde todos os sábados almoçávamos juntos e não havia nenhum funcionário meu que não levasse mensalmente o dobro do salário base, devido às horas que fazíamos. Tinha muito trabalho. Assim que construía estava tudo vendido”, assegura.
A situação inverteu-se por completo. Atualmente “não tem dinheiro para nada”, refere. Um regresso ao passado para quem nasceu no seio da família “mais pobre de São José”, popular bairro de Abrantes, com uma dezena de irmãos e sem pai desde os três anos de idade.
Jeito para o negócio na roleta da sorte e do azar
“Eu e a minha mulher éramos das famílias mais pobres de Abrantes”, conta, ao explicar-nos ser originário de um família de baixo estrato socio-económico, tal como a mulher, Maria Joaquina Ferreira, a companheira de desalento e da vida, desde os 22 anos.
Jorge, nome recebido do padrinho Jorge Vieira e Graça, é o quarto filho de uma empreitada de 11 que a sua mãe, Alda Cipriano da Costa, deu à luz graças a dois casamentos. Doméstica, ficou viúva do militar José Correia Ferreira tinha o filho três anos, por isso Jorge não tem grandes recordações do falecido pai, apenas as suficientes para sentir a sua ausência. Felizmente podia contar com o avô materno, que recebeu os cinco netos em sua casa após a morte do pai. Um motorista da extinta Construtora Abrantina que levava o pequeno a visitar as obras e lhe passou a paixão pela construção de edifícios e empreendimentos.
Na Abrantes dos anos 60 do século XX, assombrada pela pobreza e varrida pela Guerra do Ultramar tal como tantas outras terras portuguesas, Jorge, então com 10 anos, já guardava gado, concluindo o 4º ano de escolaridade na Escola Primária dos Quinchosos, sem prosseguir os estudos por ter de trabalhar na agricultura, onde encontrou o seu sustento e dos seus.
Aos 12 anos já era dono de alguns porcos e ovelhas e, dois anos depois, começou a trabalhar em Alferrarede na fábrica de malas que pertencia ao padrinho, primeiro como empregado de balcão na loja que também vendia artigos de caça e pesca e materiais para construção civil, e mais tarde como empregado de escritório. Aos 16 anos passou à condição de caixeiro-viajante da empresa, profissão que abraçou por pouco tempo devido à revolução do 25 de Abril de 1974.
Por todo o País “metade das fábricas com as quais trabalhávamos fecharam. Não havia movimento e saí para me dedicar à agricultura” explica.
Optou por trabalhar por conta própria na área da pecuária, explorando um negócio de criação de gado, com venda porta a porta dos produtos derivados de um rebanho de 70 ovelhas, mais 7 vacas e 30 porcos. “Era eu quem abastecia todas as pessoas da zona”, recorda. Com o negócio em crescimento decidiu solicitar ao Grémio da Lavoura (naquela fase do Crédito Agrícola de Emergência, uma linha de crédito instituída depois do 25 de Abril), um empréstimo para a compra de animais e sementes, verba que podia ser concedida até ao máximo de 90 contos (cerca de 450 euros).
A vida mostrou-se madrasta na dureza e o seu desejo de uma vida melhor fá-lo apostar na paixão que tinha pelo sector da construção civil por volta de 1980, a par da agricultura, começando a trabalhar como servente numa empresa de Abrantes. Na construção do Hospital Distrital de Abrantes trabalhou durante um ano como carpinteiro, obra que pela sua dimensão apresentou-se como avaliação mais concreta daquilo que poderia ser o seu futuro profissional. Aos pouco foi adquirindo a reputação de “pessoa séria” junto das entidades bancárias, atributo que lhe abriu portas para créditos de maior monta.
“Desde pequeno andei a trabalhar na lavoura, a apanhar azeitona, à frente dos bois. Era uma vida dura mas alegre, porque tínhamos vontade de trabalhar e brincávamos uns com os outros. Hoje é totalmente diferente, trabalha-se pelo dinheiro. Antigamente as pessoas eram pobres mas viviam bem, eram felizes com mais companheirismo e solidariedade entre elas”, afirma, recordando “as desencamisadas de milho e as capuchas [mulheres que andavam na apanha da azeitona]”, onde se namorava as cachopas nos bailes quase diários.
“DESDE PEQUENO ANDEI A TRABALHAR NA LAVOURA, A APANHAR AZEITONA, À FRENTE DOS BOIS. ERA UMA VIDA DURA MAS ALEGRE”
Jorge era de família humilde mas nunca andou descalço, calçava botins, “o mais barato que havia, para calçar de inverno e de verão”, refere, recordando os tempos da infância, antes de iniciar a vida de empreiteiro que começou precisamente com a construção de casa própria após o casamento. “Apareceu alguém interessado e eu vendi. Depois daquela construi mais três moradias”, recorda.
Ao jeito para o negócio juntou-se um “golpe de sorte” quando recebeu um convite de dois empresários – Isidoro da Silva Maio e José Manuel Antunes de Matos – para investir na construção de dois prédios em Rossio ao Sul do Tejo, um deles para instalar a Caixa Geral de Depósitos. “O meu filho foi o cliente com a conta número 1”, lembra Jorge Ferreira Dias.
Seguiu-se a oportunidade de constituir formalmente uma empresa: a Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda em que teve como sócios a sua mulher, Maria Joaquina, e o seu filho Paulo Jorge, constituída a 3 de agosto de 1990. E se ao longo de anos de trabalho nem tudo eram facilidades, “o ativo da empresa excedia largamente o passivo” permitindo continuar em frente com grandes obras, chegando a um ponto em que o seu património era considerado “fabuloso”. Houve até quem lhe chamasse “o Belmiro de Azevedo de Abrantes”, recorda. Mas o azar espreitava a obra e Jorge Ferreira Dias, com base num “erro” que atribui à Câmara Municipal de Abrantes, afirma ter perdido “mais de oito milhões de euros, graças ao processo de insolvência”.
Na data da insolvência, decretada em 2013, a empresa Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda “tinha imóveis avaliados em 2,7 vezes o valor dos créditos a liquidar”, garante, mostrando documentação que sustenta a afirmação. E um pedido de indemnização no valor de 6 milhões e 700 mil euros no Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria contra a Câmara Municipal de Abrantes, que até hoje aguarda decisão. Mas esse facto não impediu a sua queda.
Projetos sem autorização, denúncias e desespero
Corria o ano 2000 quando um funcionário de uma outra empresa de construções, mostrando uma fatura numerada com o 58, lhe quis cobrar “uns milhares de euros” dizendo que era normal pagar “alguma coisa” caso quisesse que as suas urbanizações continuassem a obter autorização para construção. Observada a fatura que o funcionário lhe trazia, “um esquema onde se incluía materiais pagos mas que as empresas nunca recebiam”, garante, irritou-se e devolveu a dita sem pagar. Crê que essa recusa foi o motivo e o início dos seus problemas.
A “absoluta asfixia financeira” em que hoje afirma estar, tem então causas bem identificadas para Jorge Dias. Aponta o dedo à “perseguição sistemática” da Câmara de Abrantes, porque começaram a negar-lhe autorizações de construção que, garante, antes lhe seriam concedidas. O projeto ‘Urbanização Encosta Norte’, de 2000, foi aprovado mas nunca obteve o alvará. Ficou com os prédios construídos, durante anos, sem os poder vender por falta de licença de habitabilidade e das devidas infraestruturas. “Só aqui ficaram 750 mil euros empatados que me deixaram sem margem de manobra” para avançar para outros projetos, conta.
O PROJETO ‘URBANIZAÇÃO ENCOSTA NORTE’, DE 2000, FOI APROVADO MAS NUNCA OBTEVE O ALVARÁ. FICOU COM OS PRÉDIOS CONSTRUÍDOS, DURANTE ANOS, SEM OS PODER VENDER POR FALTA DE LICENÇA DE HABITABILIDADE E DAS DEVIDAS INFRAESTRUTURAS. “SÓ AQUI FICARAM 750 MIL EUROS EMPATADOS”
Jorge Ferreira ainda teve um outro prédio onde habitavam sete inquilinos, com a água foi fornecida através de um contador de obras. “Mesmo com garantias bancárias, que nunca acionaram… na Ferraria cheguei a pagar a água aos inquilinos durante 7 anos, uma conta de 20 mil euros”, afiança, relatando casos de “falsificação de documentos pelos serviços autárquicos” e “tentativas de corrupção para os projetos andarem”. Situações que assegura ter “entregue” à Polícia Judiciária, o que lhe valeu uma ameaça de processo do então presidente da edilidade, por “ofensa ao bom nome” da Câmara. Na PJ os processos foram entretanto arquivados.
A esperança de retoma surgiu em 2007 com o interesse de um grupo internacional na compra de oito hectares de terrenos de sua pertença, para a construção de um complexo médico-social, o ‘Ofelia Clube’, que lhe valeriam dois milhões e meio de euros. Mas o negócio correu mal, o tal de 60 milhões de euros de investimento preparado para 1.600 camas, não recebeu “um tostão”.
Em desespero, o construtor abrantino fez o seu primeiro protesto público junto aos Serviços de Divisão de Urbanismo da Câmara Municipal, imobilizando um burro em frente de uma das três entradas do edifício. O animal permaneceu no exterior enquanto o dono escrevia no Livro de Reclamações da autarquia os seus protestos, a propósito de alguns negócios, entre os quais o impasse do projeto ‘Ofelia Clube’, que nunca se concretizou por desistência dos investidores, “visto que o projeto não avançava”.
JORGE FERREIRA DIAS CHEGOU A AVANÇAR COM UMA DENÚNCIA NA POLÍCIA JUDICIÁRIA CONTRA DOIS FUNCIONÁRIOS DA CÂMARA DE ABRANTES, ACUSANDO-OS DO CRIME DE BURLA QUALIFICADA “AO EXIGIREM UMA ELEVADA CONTRAPARTIDA MONETÁRIA EM TROCA DE FAZER ANDAR O PROCESSO”
Jorge Ferreira Dias chegou a avançar com outra denúncia junto da Polícia Judiciária contra dois funcionários da Câmara, um fiscal de obras e outro responsável do gabinete de investimento, acusando-os do crime de burla qualificada “ao exigirem uma elevada contrapartida monetária em troca de fazer andar o processo”. O Ministério Público investigou mas o processo acabou arquivado, por “insuficiência de prova”.
A dívida ao Estado português que causa a insolvência
Entre as muitas batalhas judiciais, Jorge Ferreira Dias destaca o processo nº 1148/09, uma ação interposta pela Câmara Municipal de Abrantes, em 2009, onde acusava a empresa Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda de se ter apropriado de uma parcela de terreno “de forma ardilosa” no Olival do Barata, na Encosta Norte da cidade. Uma ação fixada em 118 mil euros que antigo construtor considera ser a causa da sua desgraça, passando da expansão à insolvência, arrastando empresas e clientes.
“Uma empresa de automóveis vendeu à Câmara Municipal de Abrantes um terreno que é meu, com hipoteca na Caixa Geral de Depósitos. A Câmara sabe que o terreno é meu, o presidente e os serviços foram avisados, mas ignoraram as minhas reclamações”, assegura.
Com esta ação a empresa Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda., que conseguiu provar ser proprietária da parcela de terreno, ficou sinalizada no Banco de Portugal com dívida ao Estado português no valor da ação, e o empresário ficou com o rótulo de incumpridor, o que na prática ditou a paragem da empresa e a insolvência que arrastou até o ex-sócio da empresa, o filho Paulo Ferreira, que entretanto saíra da empresa para se dedicar à construção do Lusitânia Parque.
“UMA EMPRESA DE AUTOMÓVEIS VENDEU À CÂMARA MUNICIPAL DE ABRANTES UM TERRENO QUE ERA MEU. O PRESIDENTE E OS SERVIÇOS FORAM AVISADOS, MAS IGNORARAM AS MINHAS RECLAMAÇÕES”, ASSEGURA O EMPRESÁRIO, QUE MAIS TARDE CONSEGUIU PROVAR EM TRIBUNAL SER O PROPRIETÁRIO DO TERRENO
A sentença proferida pelo Tribunal da Relação de Évora, em 2012, veio a confirmar a sentença do Tribunal Judicial de Abrantes de 2011, que já tinha absolvido a empresa de Jorge Dias. A Câmara Municipal de Abrantes, não concordando com as duas sentenças, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça que, a 13 de setembro de 2012, não reconheceu o recurso por inadmissibilidade. A Câmara tentou ainda um novo processo para reclamar a separação da parcela à massa insolvente da Construções Jorge Ferreira & Dias, Lda, alegando usucapião, mas o pedido foi considerado improcedente, confirmado em sentença de maio de 2018.
Tal absolvição não reverteu as consequências da quebra de confiança entre as entidades bancárias com as quais a empresa se relacionava até à data em que a Câmara interpôs a tal ação declarativa. A 24 de maio de 2013 foi proferida a sentença de declaração de insolvência e nomeado um administrador judicial.
Foi nessa ocasião que o sócio gerente Jorge Dias apresentou paralelemente uma reclamação formal no livro de reclamações da autarquia e divulga a história na comunicação social. Como consequência, foi então alvo de uma queixa crime por difamação apresentada pelo presidente da Câmara, outra queixa crime por difamação apresentada pelo diretor de departamento administrativo, ambas arquivadas pelo Tribunal de Abrantes.
Mas Jorge Dias Ferreira acabou mesmo condenado com uma pena de prisão de 1 ano e e dois meses, suspensa, e realizou por quatro vezes trabalho comunitário, “sempre no Hospital de Abrantes”, explica.
A gota de água que encheu o copo do diferendo com a autarquia caiu em outubro de 2012, quando Jorge Dias Ferreira, movido pela “penalização” dos seus negócios sem resolução à vista, entrou na Câmara Municipal e ameaçou e ofendeu a então presidente da Câmara, chamando-lhe “mentirosa, interesseira e oportunista”. Também levantou a mesa de reuniões ao ar, partiu copos e garrafas de água, acabando por ser levado por agentes da Polícia de Segurança Pública, depois de, num último grito de revolta, ter arrancado parte da barba que na época não cortava há cinco anos. Naquele momento, corriam sete processos nos tribunais.
Desse incidente resultou um processo crime “de 900 páginas”, com o tribunal a solicitar uma consulta de psiquiatria, ou melhor, “uma consulta de controle de raiva, psicologia e psiquiatria”, detalha. Mais tarde, Jorge Dias Ferreira voltou à Câmara exigindo respostas, momento em que voltou a ameaçar o Executivo camarário – desta vez de morte -, o que lhe valeu um novo processo crime. Durante um ano e dois meses foi acompanhado nas consultas de psiquiatria do Hospital de Tomar.
MOVIDO PELA “PENALIZAÇÃO” DOS SEUS NEGÓCIOS SEM RESOLUÇÃO À VISTA, ENTROU NA CÂMARA MUNICIPAL E AMEAÇOU E OFENDEU A ENTÃO PRESIDENTE DA CÂMARA, CHAMANDO-LHE “MENTIROSA, INTERESSEIRA E OPORTUNISTA”
Em 2016, nova polémica com a Câmara aquando da inauguração da ETAR dos Carochos, que fez esperar até o ministro do Ambiente, João Matos Fernandes, mais de uma hora. Jorge Dias havia assinado um contrato de promessa de venda de terreno para a construção de uma nova Estação de Tratamento de Águas Residuais, com a Abrantáqua, empresa responsável pela gestão do sistema de recolha e tratamento de águas residuais do Município de Abrantes. O contrato de promessa não foi cumprido e a escritura pública não se fez atempadamente, mas fora construída a nova ETAR no terreno, sem autorização de Jorge Dias.
A cerimónia de inauguração começou por isso com algum atraso, uma vez que o construtor, então proprietário do terreno, barrou o acesso ao equipamento com uma carrinha dizendo que apenas havia autorizado a desmatação e o levantamento topográfico na preparação do terreno para a construção. Jorge Ferreira Dias acabaria por permitir a inauguração “por não gostar de ver os esgotos a correr para o Tejo”, diz.
No decurso de toda esta história, Jorge Ferreira Dias foi sujeito a vários processos crime. Tudo, diz, porque nunca se calou e pediu às autoridades para investigarem. “Tudo arquivado”, revolta-se, lembrando ainda que também interpôs junto do Tribunal Administrativo e Fiscal de Leiria um processo para compensação por perdas e danos, num valor aproximado de seis milhões de euros.
Por mais anos que passem, na sua cabeça estão sempre preocupações relacionadas com a situação judicial. “É preciso que se faça Justiça”, pensa, repensa e mantém a fé em Deus. Considera-se “um mártir, uma vítima do sistema”, e não sossegará até ao dia da sentença final. Até lá, vai vivendo do Rendimento Social de Inserção e como pastor do gado que ainda mantém: “Tenho de sobreviver!”
Reportagem de Paula Mourato, com fotos de Paulo Jorge de Sousa, publicada em março de 2019, republicada a 30 de maio de 2019
Fonte e foto: Medio Tejo
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